O poder e o castigo da curiosidade
- Demi Simão
- 8 de mai. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 16 de mai. de 2024
Livro “De primatas a astronautas”
Desde criança, sempre tive um espírito muito curioso. Essa curiosidade era sobre inúmeras coisas. Não havia quase nada a respeito do qual eu não queria saber ou não pedia os meus “por quês?”. Muitas vezes, tudo o que eu ouvia era: “deixa de ser curioso menino”. É certo que eu chegava a ser um tanto chato e incomodava com minhas perguntas, mas elas faziam parte do meu processo de aprendizagem. No entanto, eu vivia com uma certa “culpa” de querer saber demais sobre as coisas e era criticado por minha curiosidade insaciável.
Até o dia em que eu vi algo maravilhoso no meu livro de história da 5ª série (6º ano) na escola. Havia uma representação de homens das cavernas ao redor de uma fogueira, e em algum lugar na página estava escrito: “Se não fosse a curiosidade, o homem ainda estaria na Idade da Pedra”. Essa frase mudou minha vida! Enfim eu aceitei e me pacifiquei com minha curiosidade, e claro, usei essa frase como argumento diante de várias críticas que ouvi no futuro.
A curiosidade é um talento natural dos seres humanos. A evolução humana a partir dos primatas deve-se, em grande parte, à curiosidade de nossos antepassados, seu instinto de sobrevivência e pela interação com mundo ao seu redor, repleto de coisas capazes de aguçar o interesse. Um dos livros que melhor retrata isso e que foi maravilhosamente escrito por Leonard Mlodinow é De primatas a astronautas: a jornada do homem em busca de conhecimento, publicado no Brasil pela editora Zahar em 2015.
Essa bela obra faz um percurso evolucionário dos humanos em termos de busca e construção de conhecimento ao longo dos séculos. Retrata processos ocorridos há milhares de anos e que desencadearam o surgimento daquilo que mais valorizamos na sociedade contemporânea, como a ciência, a arte, a religião e a tecnologia. Na perspectiva desse autor, a abertura à curiosidade e a busca de conhecimento são os propulsores da civilização, permitindo aos seres homo saírem das cavernas para a exploração cósmica.
Há alguns milhões de anos atrás, os hominídeos das florestas africanas precisaram encontrar lugares de campo aberto e visão ampliada para que pudessem ver melhor seus predadores, defender-se deles, caçar animais e encontrar mais comida. A mudança de território gerou mudança de postura corporal. Deixando de andar sobre os membros superiores e de olhar para o chão, nossos antepassados passaram a ver o horizonte, e a partir dele, o céu, o brilho de suas estrelas e o mistério que eles significavam.
A melhora da alimentação e das formas de sobrevivência permitiram a esses antigos seres, há muitos milhares de anos atrás, desenvolver melhor sua estrutura corporal e, em especial, o tamanho do cérebro. Com o aumento de massa cerebral, novas regiões cerebrais surgiram, como a órbito-frontal, por exemplo, novas sinapses se estabeleceram e a realidade pôde ser percebida de forma diferente. Maior capacidade mental permitiu maior domínio sobre o ambiente, aumento na quantidade e qualidade do pensamento e o desenvolvimento da potência mais forte e singular dos seres humanos: a capacidade para o conhecimento. De apenas nômades em busca de comida, nossos ancestrais passaram a construir comunidades complexas, comportamentos evoluídos, desenvolveram tecnologias, das rudimentares às mais complexas, dominaram o fogo e modificaram o meio ambiente à sua volta. Tudo isso graças à habilidade da curiosidade.
Muitos animais possuem um certo grau de curiosidade. Mas nenhum deles é capaz de construir conhecimento como os humanos, nem desenvolver um raciocínio complexo sobre coisas abstratas ou até mesmo elaborar sistemas de transmissão do conhecimento adquirido como nós fazemos. Nossa curiosidade, potencializada pela razão, nos permite criar coisas incríveis, inventar uma miríade de objetos e transformar constantemente nossa própria realidade. Com o passar do tempo as invenções ficam obsoletas, os sistemas de pensamento são superados e a cultura é reconstruída, pouco a pouco.
Um dos grandes expoentes modernos do conhecimento, o físico Albert Einstein, escreveu em sua obra Meu credo, 1932:
“A experiência mais bela e profunda que um homem pode ter é o sentido de mistério. Ele é o princípio fundamental da religião, bem como de todo esforço sério em termos de arte e ciência. Parece-me que aquele que nunca teve essa experiência, se não está morto, pelo menos está cego”
A curiosidade diante do mistério é um poder tão intenso que muitas vezes deixamos de pensar nas consequências possíveis que podem advir da nossa busca pelo saber. No mito grego da Caixa de Pandora vemos o triste exemplo das consequências adversas que a curiosidade pode gerar, que podem ser marcadas por um imenso rastro de destruição e infortúnios. Podendo tanto ser potência, a curiosidade pode ser um castigo! Na história recente da humanidade vimos um letal exemplo de como o avanço do conhecimento, movido pela curiosidade científica de desvendar os mistérios da natureza, causou a morte de milhares de pessoas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A física quântica desenvolvida no início do século XX, tendo Einstein como um de seus expoentes, se propunha estudar o comportamento dos átomos e suas partículas. O entendimento sobre a fusão e a fissão atômica possibilitou o desenvolvimento de tecnologias capazes de usar esse saber para a criação de bombas atômicas, com imenso potencial destrutivo. O mesmo ocorreu com a pólvora, com os gases tóxicos e com toda a ciência da artilharia ao longo dos milênios. Assim, vemos alguns exemplos de como o mau uso do conhecimento pode levar à destruição e à morte, não só de humanos, mas da natureza como um todo.
A curiosidade pode levar os seres humanos a muitos lugares, seja à Lua ou à fogueira. Ao longo da história universal encontramos diversos exemplos de pessoas cuja vida foi colocada em risco ou até mesmo ceifada por causa de sua curiosidade. Mlodinow apresenta neste livro alguns exemplos emblemáticos ocorridos na Idade Média, como Giordano Bruno (1548-1600), religioso católico e filósofo, sentenciado à morte na fogueira por ter contrariado a visão Ptolomaica e Geocêntrica do Universo, e Galileu Galilei (1564-1642), também contrário ao Geocentrismo e expoente das ciências cosmológicas do século XVII, que foi sentenciado a renegar tudo o que acreditava e a sofrer a pena de prisão domiciliar até o fim de sua vida. O que não dizer do exemplo de Charles Darwin (1809-1882) e sua teoria da evolução das espécies diante das ameaças contra ele proferidas por sua teoria contrariar a visão religiosa do criacionismo?
Mlodinow leva o leitor deste livro a uma viagem que visita vários períodos históricos e personagens importantes da ciência. Com o autor, pode-se caminhar com Newton pelas ruas de Londres enquanto ele pensa no movimento dos corpos celestes e nas leis da atração entre eles, com Mendeleiev estudando a características dos elementos e criando a tabela periódica, com Dalton e Heisenberg pesquisando as propriedades dos átomos, com Galileu e seu telescópio olhando para as luas de Júpiter, com Stephen Hawking desvendando as leis que regem os buracos negros e com Max Planck teorizando novas visões sobre o universo.
A curiosidade e o gosto pelo conhecimento levou a essas e tantas outras pessoas a desvendar os mistérios do mundo e a dar sentido à existência para além da simples sobrevivência. Se hoje somos capazes de ir ao espaço, somos devedores dos homens das cavernas que ousaram olhar com curiosidade para as estrelas e se perguntarem “o que é aquilo lá”? Ademais, “se não fosse a curiosidade, ainda estaríamos na Idade da Pedra”.
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